quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Vanda e Vânia

Com a Banda? Ó professora, eu não gosto da Banda. Não tenho nada a ver com ela. Mal a conheço. Como é que posso trabalhar assim? Prefiro ficar sozinha. Já lhe disse, professora, não consigo. Não é possível integrar-me num grupo de pessoas que não conheço. Ó professora, tenho outros colegas que não se importam. Pode escolher um deles. Estão sempre a saltar de grupo em grupo. Eu não. Só consigo trabalhar com pessoas com quem me entendo. Não insista, professora. Não consigo mesmo. Ano passado, fiz trabalhos com um grupo de que eu não gostava. Lembra-se? Nunca recusei, apesar de ter sido um sacrifício para mim. Este ano, professora, acho que tenho direito de escolher. Só pelo aspeto dela já não gosto da Banda. Faz-me lembrar os do passado. Recorda-se, professora, da recolha de músicas que fizemos no segundo período? Fui eu que tive de fazer tudo. O meu grupo quis lá saber! É por isso que não quero trabalhar com a Banda. Ela deve ser como eles! Para mais só agora chegou à escola. Deve estar mas é à espera que seja eu a fazer tudo. E a banda a passar.

Vanda assistia a tudo. Ouvia tudo. Como enovelando um fio silenciosamente. Fio triste de se ver rejeitada. Sem vontade de argumentar. Para a aceitarem. Para a conhecerem. Para a ouvirem. Para gostarem dela. De dizer que aquilo que estava a ser dito não correspondia à verdade. Sempre tinha sido responsável e cumpridora. Nunca se tinha aproveitado do trabalho de ninguém. O que ouvia enfraquecia-lhe a voz. Calava-a até. E achava irritante aquela troca dos vês pelo bês, embora achasse graça à pronúncia do Norte. Que também era a sua. Frequente era também dizer bezes, bamos, bestir, possíbel, fabor… Mas chamarem-lhe Banda em vez de Vanda parecia que lhe estavam a dar música. A pôr um béu no rosto, fazendo-a passar por outra pessoa. Já não gostava muito do seu nome, mas ver-lhe trocada a letra inicial era pior que mudarem a chave de um soneto.

Vanda olhou a professora. Que ia reagindo discretamente para Vanda não ficar mais embaraçada. Tentando travar a torrente de palavras da aluna que já conhecia. Fixava nesta o olhar para que, através dele, ela mudasse a atitude e aceitasse trabalhar com a colega. Queria que ela fizesse o trabalho com Vanda. Mas sem obrigar. Queria integrar Vanda na turma de forma natural e que ela se sentisse aceite e apreciada. Só Vanda compreendia o esforço da professora. Vanda: recém-chegada à Escola e à turma. Viera cheia de sonhos e sentia-se enxotada como um bando de pássaros pacíficos passando por pássaros predadores. Ainda assim, conseguiu dizer à colega: não me conheces, mas sabes, pelo menos, como me chamo. E o teu nome, qual é?

- Bânia – respondeu a colega.

A professora não conteve um sorriso que se alargou às interlocutoras.

Pode parecer coisa vã, mas Vanda e Vânia, na aula seguinte, conseguiram trabalhar em pares. Não foi em vão e o trabalho ficou bom.

Nota: Este texto foi publicado, há um par de anos, no blogue Terrear.

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