domingo, 27 de novembro de 2011

Fado português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

5 comentários:

  1. Decididamente, andamos muito coincidentes nas nossas "postagens": http://carruagem23.blogspot.com/2011/11/mais-um-portugues-do-e-no-mundo.html
    Será 'fatum'?
    Bom domingo.
    (E viva o fado!)

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  2. Só no quadro de Malhoa é que houve coincidência (mas não copiei, porque só há bocadinho vi a Carruagem 23!). Tu foste mais informativo e pedagógico.

    Fiquei contente pelo reconhecimento da Unesco. Para além de gostar de fado, sempre eleva um pouco a nossa autoestima que anda como a maior parte dos públicos subsídios: muito baixinha.

    Gostei muito do teu poema de ontem, sábado. "Ouve-se" a maresia.

    Um abraço
    M.

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  3. Que tipo de blog é este que não deixa expressar as opiniões das outras pessoas. Parece a censura.

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  4. Censura? Não. Nunca.

    Expressou a opinião! E pode pôr o nome. Por mim, não há problema nenhum.

    Obrigada

    M.

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  5. O poema de sábado só podia deixar ouvir e (também) cheirar a maresia, pois, além da manhã, não deixei à tarde de ter muito boa companhia.
    Um dia muito bom.

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