terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Correntes

O desafio, num ateliê de escrita em Serralves, foi escrever uma história de "belo horrível" ou "belo tenebroso". Pensei, pensei... lembrei-me de casas antigas, aparentemente abandonadas, e o resultado foi este. 
Será banal, por certo, em relação a outras estórias que penso ouvir na próxima 4ª f.
Conto, depois, contar alguma coisa que possa escutar.


Correntes
O céu estava coalhado de nuvens pardacentas. O ar gelava. A noite aproximava-se e não se via ninguém na rua ladeada de árvores despidas e negras. No silêncio parado, irrompeu o ruído de um carro, parando à porta do casarão quase sempre fechado. O silvado cobrira os muros altos, isolando a casa. Todos diziam que lá não morava ninguém e todos contavam histórias sobre os habitantes que há muito tinham morrido mas que, por muito amarem aquela casa, não tinham desaparecido. Porém, os únicos indícios de vida eram o carro que de repente entrava e saía pelo portão que abria  e batia de forma assustadora.
Engolido o carro, a rua voltava ao silêncio. Naquela noite, houve um outro sinal: saía fumo de uma chaminé da casa onde diziam viver fantasmas.
Aproveitando a minha invisibilidade de autora da história, entrei porque o frio era muito e também não gosto de ficar aquém dos muros. As sebes do enorme jardim estavam desgrenhadas e envelhecidas; os arbustos com troncos retorcidos e quebrados; algumas rosas vermelhas haviam murchado em botão, as heras trepavam cobrindo as paredes em ruínas….
Porém, no centro do jardim, erguia-se uma pequeníssima estufa envidraçada. As suas paredes de vidro deixavam ver aveludadas e viçosas rosas brancas. Era o único sinal de cuidado naquele espaço sem mimo de mão humana. Ao cimo das escadas de pedra, ouviam-se vozes quase murmuradas. De repente, uma porta chiou, saindo uma bela mulher de rosto entristecido. Desceu as escadas e dirigiu-se à estufa. Colheu um ramo de rosas e voltou a entrar em casa. O murmúrio de vozes ouviu-se de novo.
De repente, as nuvens ganharam movimento e houve um pouco de luar. Sem se ouvir a porta a fechar, a mulher desceu de novo, trazendo um ramo de rosas secas na mão. A noite fechou-se em trevas. A mulher saiu num ápice, tal como tinha entrado. Nenhuma luz se via. Apenas o fumo da chaminé continuava vivo.
De madrugada, a luz da lua iluminava as rosas brancas e as flores murchas. Ao lado, jaziam umas pesadas correntes.
Janeiro 2012

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