quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Disse aos meus alunos...

...que procurassem, na internet, um poema de Nuno Higino. 
Um grupo trouxe este e gostei muito (do poema e que o tivessem procurado).

O silêncio sempre deixa saudade
A saudade é uma porta por onde se vê o mar
O mar é o baloiço que vai e vem nos olhos
do poeta
O poeta sempre mora na alma que há no vento
O vento é o mensageiro que leva e traz nas
crinas os segredos
Os segredos são a arca onde o esquecimento
tem guardados seus tesouros
Os tesouros são azuis, tão azuis, tão azuis como os
olhos da ilusão
A ilusão é jamais perder de vista a luz dos
pombos a pique nos telhados
os telhados são bandeiras às vezes alegres
ou tristes sobre as praças
as praças se denudam como mulheres
esculpidas entre as dunas
as dunas reconhecem a voz do sal ao sol do
meio-dia
o meio dia dança ao som de silvos, de vozes e sirenes
as sirenes são sereias alucinadas e hirtas
sobre o caos
o caos, já vencido, se entregou quase à hora
do sol-pôr
o sol-pôr é uma montanha onde crescem
enigmas e fantasmas
os fantasmas se insinuam entre as pedras,
as árvores, as estrelas
as estrelas às vezes descem aos ombros
surrados do mendigo
o mendigo se dissipa entre os latidos
cerrados do degredo
o degredo é tão antigo como a distância obscura do destino
o destino é uma cobra enroscada e ferida na cabeça
a cabeça é um romeiro que não tem fé na mão de nenhum santo
o santo mora na ermida guardada de
ciprestes e silêncio

o silêncio deixa sempre saudade.


Nuno Higino

3 comentários:

  1. Deve ser compensador para um professor ter uma resposta tão assertiva e poética dos seus alunos. Isto revela muito da alma do professor que acredita nas potencialidades dos seus alunos e os motiva para a escrita poética e, neste caso, para a procura de bons autores.
    A propósito de silêncio e de saudade, hoje, enquanto conduzia, o rádio estava sintonizado na Atena 2 e, de repente, tive a grata e única oportunidade de ter ouvido um belo texto poético de Eugénio de Andrade, declamado pelo próprio. Mais uma vez a sensibilidade, a suadade e o amor pelas mulheres mães revelam-se nesse trecho poético. Deixo aqui o início para atiçar à sua leitura na íntegra.

    AS MÃES

    Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido. Passaram o verão todo a transformar a luz em canto - não sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, são aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem órfãs. Não as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estão em toda a parte onde nasce o sol: em Cória ou Catânia, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas são as mães. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas são as Mães. A tua; a minha, se não tivesse morrido tão cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estão aí desde a primeira estrela. E o que elas duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais.(...)

    CS

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  2. Pois...
    Nuno Higino é assim! Apesar de eu o apreciar em composições mais curtas...
    Fico-me por este verso: Os tesouros são azuis, tão azuis, tão azuis como os
    olhos da ilusão!"
    Por que será?!

    bjinhos
    IA

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  3. Quero conhecer melhor a obra de Nuno Higino. É pena o velho problema: o tempo ser pouco!

    Beijinhos para as duas e obrigada pelas palavras.

    M.

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