domingo, 16 de dezembro de 2012

Pedra Filosofal

(Hoje, acordei a ver o Céu. Tinha deixado a janela aberta de propósito.
- Não a vidraça, porque está frio -
E veio-me à cabeça o poema "Pedra Filosofal" de António Gedeão. 
Ontem, tinha estado com amigos e havíamos falado do poema).

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
 António Gedeão
In Movimento Perpétuo, 1956

2 comentários:

  1. Adoro este poema escrito pelo António Gedeão (Rómulo de Carvalho) e cantado pelo Manuel Freire. Obrigada por o teres relembrado.

    CS

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  2. Olá, Ci
    Sim, também gosto muito. O António Gedeão é um dos meus poetas preferidos.
    Foi uma boa ideia ter sido um dos poemas escolhidos para a ceia de Natal da escola. E ser cantado, após a leitura, também foi muito bonito.
    Feliz Natal! (today in portuguese!)
    M.

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