domingo, 13 de janeiro de 2013

Pessoa(s), sem "Sombras" de dúvida!


Chovia mas a noite prometia. Estávamos em grupo, éramos amigos e o espaço onde nos encontrávamos era belíssimo: Teatro Nacional de S. João, no Porto, para a última representação da peça "Sombras" de Ricardo Pais.

"A nossa tristeza é uma imensa alegria" é a frase-chave do belo cartaz/catálogo (que guardo sempre na caixa das boas recordações). É pena (ai este jeito sombrio de achar que falta sempre alguma coisa!!! ) não constarem do cartaz alguns dos textos representados, como o monólogo inicial - dito de forma torrencial e emotiva por Emília Silvestre - que nos situa na Lisboa de Pessoa e abre uma janela à solidão.
A bela sala estava cheia. Quando as luzes/sombras começaram a abrir-se perante os nossos olhos de expectativa e silêncio, ouviu-se a voz quente e plena da fadista Raquel Tavares, desenhando-se a sua silhueta com uma guitarra portuguesa nas mãos.

Uma quinzena de artistas em palco (fadistas, atores, bailarinos, músicos) deram voz a textos que são referência na Literatura portuguesa: Castro de António Ferreira, Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett...
O poder sugestivo das cores e efeitos visuais eram outros sinais de significação: imagens em contra-luz, destaque de elementos do rosto humano, da natureza, focando-se a beleza do que muitas vezes está bem perto de nós.

O palco era revelador de pedaços da nossa tristeza sem esconder a alegria, a ironia, a aventura, a ousadia que também nos caracterizam.

Os textos eram lidos e representados de forma exímia. Mário Laginha, ao piano, acompanhou quase todas as representações que uniam tradição e Modernidade.

Os bailarinos - um deles também músico - juntavam diferentes tipos de dança, despindo-se  de preconceitos e dando corpo ao movimento com o movimento do próprio corpo.

Um belo espetáculo. Realço a criatividade necessária para a junção de texto, imagem, música, dança - uma combinação perfeita para encontrarmos um todo luminoso, ainda que o título seja "Sombras". Poder-se-á dizer: do caos nasceram belas "Sombras" que ficam, após a realização de tantos trabalhos  por tantas pessoas, realçando os produtores de obras de arte.
Em época em que tantas luzes se apagam, foi bom assistir a uma peça em que os artistas mostraram a sua versatilidade e perfeita comunicação em palco e com o público.
Trabalhos assim  ajudam a que a imensa tristeza de que também somos feitos possa assumir formas de maior alegria. 

No regresso, um relâmpago repentino rapidamente se abriu e apagou todas as luzes da estrada. Ficaram apenas sombras e luzes dos faróis dos carros. E esta, hein?

PS - Já em casa, um amigo envia um mail: o monólogo inicial (Senhor António:
O senhor nunca há-de ver esta carta, nem eu a hei-de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo...
) é de Fernando Pessoa. 


Sim, o poeta da Mensagem não poderia faltar. Ele que foi o Mestre na representação da alma portuguesa. Sem "Sombras" de dúvidas.

6 comentários:

  1. É caso para dizer que foi uma noite fantástica!

    A beleza dominou o palco e invadiu todo o teatro. Os cinzas, os vermelhos, os ocres, os tons magenta mais pálidos relaçaram as figuras humanas e as palavras! "Adoçados" da música, esses tons contrastantes permitiram que conseguíssemos navegar por textos (cantados ou não) dotados de uma nostalgia doce, alternados com as tais "alegria, a ironia, a aventura, a ousadia que também nos caracterizam.", como tu dizes, e bem!
    Gostei muito e fico à espera de mais! Quando será, não sei. Mas quero mais!

    beijinho
    IA, também prima Za

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  2. E é muito bom quando assim é. Esperemos, então, que haja mais. Até lá, felizmente há outras palavras, sons, cores...

    Um beijinho
    M.

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  3. O Curso Literatura e Música foi cancelado.
    um beijinho
    Gábi

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  4. Olá, Gábi,

    Fiquei com muita pena. O curso devia ser muito interessante.

    Um beijinho

    M.

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  5. As 'Sombras' perseguem-nos, desde o mito da caverna de Platão.
    No que toca às de sábado são sombras inspiradoras, lembrando como a realidade é "infinitamente maior do que os sonhos". Belíssimo espetáculo! Ainda bem que fomos a tempo.

    http://carruagem23.blogspot.pt/2013/01/a-gente-passa-o-tempo-fica-na-vida.html

    P.S.: Os textos da representação estão todos no catálogo, para bem dos nossos olhinhos, que os vão poder ler, e das nossas memórias, que ficarão mais enriquecidas a cada presente de leitura.

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  6. E não é que estavam mesmo? E eu a criticar a ausência dos textos no catálogo!!! isto prova que até um catálogo pode ser uma obra de arte. Sem "Sombras" de dúvida.

    Beijinho
    M.

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