quarta-feira, 3 de julho de 2013

Chamo-me Lina e trabalho na praça da alimentação



Picasso

Uma entrevista em off e em on

Chamo-me Lina, trabalho na praça da alimentação e na próxima semana faço 51 ano. Não se diz 51 ano? Você percebeu, não percebeu? Então, deixe-me falar à vontade, porque não posso perder tempo. Eu não sei falar muito bem.  Se eu tivesse estudado, falava melhor, mas depois da 4ª classe, a minha mãe pôs-me a trabalhar. Chorei que me fartei e por isso nunca quis que os meus filhos trabalhassem. Mas parece castigo porque eles nem trabalham nem estudam. E o meu não liga nenhuma. O meu quê? O meu homem, carago, quem havia de ser, então? Você julga que eu tenho amantes? Se eu tivesse não tinha de trabalhar tanto. E também lhe digo, já não estava aqui.

Tenho só o meu homem e chega e sobra. Ficou desempregado, anda pelos cantos a chorar e diz que se mata. Só me faltava esta. Os filhos passam-se com ele, começam todos a mandar vir e eu ainda tenho de os acalmar. Outro dia, eu já não podia mais, disse que não era nenhuma madre Teresa de Calcutá e comecei a gritar de raiva. Vieram as vizinhas do bairro e acabei por pôr uma na rua aos empurrões, porque ela queria era saber da minha vida para ir contar às outras. Grande estupor. Só vejo gente fingida. Estão a aprender com o governo.

Está bem, já percebi, você quer que eu fale do meu trabalho. Eu começo a falar e misturo muitas coisas ao mesmo tempo. Eu acho que é dos nervos, sei lá. Também quase que não posso conversar com ninguém.

Estou na praça da alimentação do Centro Comercial há oito meses e uma semana. Quando vim para cá, pesava mais sete quilos. Agora é o que se vê. Outro dia, um miúdo, quer dizer, um marmanjão, disse com a boca cheia de batatas fritas: "ó mãe, parece a tísica do meu livro de português". A mãe continuou a comer e eu até deixei cair o tabuleiro com três pratos sujos. Acha que alguém se levantou? Ninguém olhou para mim sequer. Todos olharam foi para a roupa deles a ver se eu os tinha sujado.

O meu serviço é recolher os tabuleiros sujos. Fico podre quando vejo o que as pessoas deixam ficar nos pacotes. Às vezes, apetecia-me levar algumas coisas para casa, mas o meu começava logo a chorar e os meus filhos deitavam tudo fora porque tinham nojo.

Também me chateia a gente estar a limpar a mesa e os clientes sem olhar e sem nunca dizer obrigada.  Eu agora faço a mesma coisa, ai não. Nem que veja o meu chefe a vigiar, nem um sorriso. Estou lá para manter as mesas limpas não é para um sorrisinho pepsodente. E olhe que ainda ninguém me mandou embora. Também quem quer fazer este trabalho? Vêm um dia e no outro já não aparecem.

Quer saber uma coisa? Ando cansada. E estou cada vez mais magra. Pareço tísica como disse o outro. Apetecia-me fazer como o meu e começar a chorar. Mas agora diga-me: acha que posso?


2 comentários:

  1. Eu costumo ver as senhoras e dizer obrigada. Espero que a vida das que encontrei seja melhor do que a que nos surge neste post, tão real.
    um beijinho e bom fim-de-semana
    Gábi

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  2. Um dia destes, estava num Centro Comercial a almoçar e comecei a reparar numa senhora muito magrinha que recolhia os tabuleiros. O resto foi pura imaginação. Ou não. Só ela o saberá.

    Um beijinho
    M.

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