terça-feira, 20 de maio de 2014

Permanência do Objeto


À Dolores

A janela abria sobre o mar
o azul marulhava na sala
encapelado de luz branca
espraiava-se levemente
no jarrão com girassóis
que amarelavam o chão e
os pequeninos miosótis
no papel de parede…

na cadeira de vime
o menino brincava no colo
imenso
do pai
estendia os bracinhos
roliços
rolantes no rosto no pescoço
do pai

e o pai brincava com o menino
no colo
escondia a chupeta
no bolso da camisa
envolvendo-a
na brancura do lenço
e o menino
órfão da chupeta
chorava
então o pai retirava o lenço
como se mágico fosse
e do bolso
saltava a chupeta
como coelho liberto
da cartola

e o menino ria
dobrando o riso
(talvez mesmo quadruplicando)
à ressuscitada chupeta…
e o pai e o menino
brincavam

tanta vez a chupeta
desapareceu e reapareceu
que o menino percebeu:
o lenço era apenas
cortina que
afastada
oferecia aos olhos
o que sempre lá era…

depois o menino cresceu
e saltou do colo
pequeno
do pai
para o colo enorme da vida
onde havia outras chupetas
a descobrir…

até que veio
arrebatador
fora do tempo
o  bicho-papão
o colo de uma negra-noite
onde o pai
desapareceu

uma noite sem cortina
para afastar…

porém
o homem-ainda-menino
sabia que o pai era ali
no oculto colo da negra-noite negra
e aquilo era apenas um novo jogo
que ele só poderia jogar
quando essa mesma noite
o levasse
para brincar… 
                          IA, maio 2014

Obrigada, IAzinha. Os (teus) poemas são
colo onde as palavras aconchegam e 
sorriem. Haverá uma 
mulher-eternamente-menina
tomando-os, leve,  "para brincar".
Um beijinho
M.







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