quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DOMINGOS MIRA FLOR



7 – Um reencontro

Chegou cansado à Praça Velasquez. A caminhada havia sido muito longa. Com Flor, não se teria atrevido a ir tão longe. Ela gostava de andar, mas, dizia, não lhe serviam botas de sete léguas. Nesses instantes, ele sorria e dizia carinhosamente: “Podemos ficar por mais perto, Flor. Logo que ande contigo, ando com Deus”.
A praça fez-lhe lembrar tempos idos em que ia ao estádio das Antas com o pai. Punha o cachecol do FCP e a tarde de domingo era de festa, sobretudo em jogos de cantada e partilhada vitória. No regresso, passavam todo o tempo a falar do jogo, das cegueiras do árbitro, dos insultos dos rivais, das hipóteses de ganharem o campeonato… Eram tardes exaltantes que moldavam dias felizes.
Como os que vivera nos últimos tempos com Flor. Os da infância tinham passado; os recentes, não sabia se iriam ser retomados.
Deu uma volta ao jardim, olhando em redor, detendo-se nas diferenças que encontrava na praça. Entrou no café Bom Dia e pediu uma água. Como outras pessoas que estavam sós, sentou-se voltado para a porta, olhando as velhas árvores.
Na esplanada do exterior do café, um grupo de mulheres trocava impressões ruidosamente. Olhou-as. Parecia estar a ver um filme a que tinham cortado o som, antepondo um vidro entre o espectador e a ação. Eram professoras, de certeza. De repente, uma evidenciou-se perante o seu olhar. Não era possível. Tinha envelhecido, mas não perdera o sorriso simpático. Era Lurdes, a amiga que conhecera na livraria Latina, na rua Santa Catarina, há muito anos. Ficaram amigos por algum tempo, mas, enveredando por caminhos mais solitários, Domingos deixara de a ver.
Olhando-a, lembrou-se de Flor. Mesmo que Lurdes o visse, não ficaria a conversar, embora soubesse que ela era faladora e curiosa. O dia era-lhe pesado para palavras leves que não queria proferir.
Mas como o olhar é livre, o de Lurdes voou sobre as mesas e cruzou-se com o seu. Logo se levantou para o vir cumprimentar.
“Então, o que é feito de si? Há tanto tempo! Que boa coincidência! Também costuma vir aqui? Nunca o vi por cá!”
Que não, há muito que cá não vinha. Tinha lá chegado quase por acaso, porque precisava de caminhar e espairecer. Sabia que caminhar lhe fazia bem. Agora, tinha de ir. Ainda era longo o percurso até casa, embora fosse sempre a descer.
“Gostei muito de a ver”.
“E eu também de o voltar a encontrar. Venho sempre aqui à quarta-feira de manhã. Apareça. Temos muitos assuntos para pôr em dia”.

(Continua, com Domingos a lembrar-se que se tinha esquecido do telemóvel, na mesinha junto à varanda).

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