quarta-feira, 10 de junho de 2015

ERRARE...

Nos últimos tempos, tenho confirmado a tese de que há pessoas que, naturalmente, fazem com que os outros reconheçam e desenvolvam o que de melhor têm em si, enquanto outras parecem puxar apenas pelo que de pior existe em alguns interlocutores.
Claro que eu gostava de fazer parte do primeiro grupo, mas nisto, como noutras coisas, não basta querer, embora a vontade de evoluir humanamente conte muito.
Pensemos em alguém que se aproxima de outrem para fazer críticas ou reparos de forma sistemática. Nestes casos, pensa-se logo: o que fiz de mal? E não: vale a pena fazer melhor.
Vivemos numa sociedade hedonista e de crescente desculpabilização, prática que se vai enraizando em muitos jovens. Se erros existem, estes assentam nos outros, anulando, muitas vezes, o que de bom e útil foi feito.
Quando assim é, o lado lunar toma conta da claridade a que todos ambicionam. Andamos todos, talvez, a precisar de maior reconhecimento. E este vem também da crença no seu próprio desempenho e no dos outros, não pendurando sempre a dúvida no elo mais fraco.
De facto, em qualquer idade, é fundamental o sorriso de reconhecimento e não apenas o apontar do dedo às imperfeições, o que escurece ou cala tantas vezes o que de melhor existe em cada ser humano.
E como falo de erros, e hoje é dia de Camões, lembrei-me do soneto  "Erros meus". Não esquecerei nunca a aula do 10º ano de há anos em que uma aluna - a Elza - recitou este poema. A turma ficou em completo silêncio, ouvindo, talvez, o que de melhor existia em cada um daqueles rapazes e raparigas. E da professora.

 

Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

 

2 comentários:

  1. O erro é um potencial factor de crescimento, mas só quando é reconhecido por aquele que erra e que o perspetiva de forma construtiva, isto é, reformula o seu percurso e as suas opções.
    Isto é bonito, verdadeiro, mas não é meu. No entanto, tento viver de acordo com este pensamento/ensinamento. E tenho muita pena de quem não o faz.
    Dizes, Dolores, no teu texto que cada vez mais os jovens (não só estes, mas principalmente estes) não assumem os seus erros e encontram sempre culpas alheias. Como poderão eles crescer se não se assumem como inteiros? O Yung falava do lado sombrio, lunar, daquele lobo mau (esta imagem já é minha) que se não for por nós conhecido e controlado, à primeira surpresa, nos poderá devorar. Por isso, diz o poeta, Ricardo Reis, que temos que ser inteiros, isto é, luz e sombra, acerto e erro, unidade e diversidade.
    Mas é claro também que denunciar esse erro tem que ser feito de modo construtivo e nunca negativo, pois as consequências poderão ser as menos desejáveis, como tu tão bem dizes: "Nestes casos, pensa-se logo: o que fiz de mal? E não: vale a pena fazer melhor.".
    E nós, professores que nos queremos agentes de transformação, somos avessos à desistência.
    Obrigada pelo artigo "cheio de erros" no seu conteúdo, mas não na forma! :)
    Beijinho,
    IA

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  2. Obrigada também pelo teu comentário. Vale a pena relê-lo. Mais palavras para quê?
    Bom Dia de Camões!

    Beijinho
    M.

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