sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Margarida, a flor




Margarida gostava muito de flores. Ficava feliz quando ia a casa da avó, que também se chamava Margarida e tinha rosas, violetas, narcisos, azáleas…

Margarida, a neta, gostava de conhecer os nomes das flores, mas a avó nem sempre lhe sabia responder. Nesses casos, arranjava, rapidamente, uma resposta: dava-lhes o nome da sua cor, sempre no diminutivo: branquinhas, vermelhinhas, rosinhas…

Um dia, pela primeira vez, a pequena Margarida reparou numa flor pequenina em busca da luz do sol. Era azul, redondinha e foi contar à avó. Descreveu-a tão bem que a avó disse com grande e atento carinho: Margarida, encontraste-te a ti, minha flor.

Os EMES da avó



Todos os nomes dos netos haviam sido escolhidos pela avó: Matilde, Mateus, Maria e Manuel. Sempre gostara de nomes começados por eme, talvez porque o seu também se iniciava por esta consoante. Para ela, era um orgulho dizer que os netos tinham nomes de que gostava e que só ela tinha escolhido.

Falava dos netos com especial carinho: eram lindos como anjos, as crianças mais perfeitas do mundo…

Já tinha pintado o retrato de todos. E contava os pormenores: o Manuel começara por uma pintinha que foi crescendo na tela por ser essa a primeira imagem conhecida do neto. E nos momentos de solidão ou de tempo de maior sossego, punha-se a pensar como uma pequena pinta no ventre da mãe se tinha desenvolvido, tornando-se aquela criança tão bela.

Matilde era o seu nome preferido. Dizia que era o mais belo nome para menina ou mulher. Mateus havia sido escolhido porque soava bem o plural da última sílaba. Maria tinha este nome, porque considerava a mãe de todos os nomes.

A escolha dos nomes permitia-lhe a confirmação da mais afetuosa das posses: estes netos eram seus.

Um dia, a avó viajava de comboio e interrogava-se por que existem tantos terrenos abandonados junto às linhas; casas com paredes esburacadas, jardins secos de tão descuidados; quase ausência de pessoas; azulejos das estações sem cor e sem viço... Para não falar de árvores e arbustos escanzelados.

Como andava sempre a pensar no futuro dos netos, gostava que todas as ruas e caminhos estivessem mais bem tratados e mais cuidados. Uma das soluções era que cada um limpasse – e sobretudo não estragasse – o que existe perto de si.

Durante a viagem, pensava também nos quadros que gostava de fazer para os outros netos. E escreveria pequenas mensagens junto dos desenhos. Como no comboio muitas pessoas utilizavam o telemóvel, em conversas longas e ruidosas, a avó ia pensando também em frases de combate a este flagelo que pode estragar uma viagem porque é tudo menos serena.

Quando chegou a casa, telefonou aos netos a perguntar como estavam. Tinha saudades. Disseram que estava tudo bem, mas não podiam demorar muito tempo. Não disseram a razão, mas a avó percebeu o ruído do computador, da playstation… E teve saudades de ver os seus EMES, como carinhosamente, gostava de lhes chamar. Tinha-lhes dado os nomes, mas agora parecia que pouco mais tinha para lhes dar e pouco mais eles estavam dispostos a receber. Pegou no caderninho que sempre a acompanhava e escreveu frases. Todas a começar po eme. Quando nasceram as crianças, foi tempo de lhes dar um nome, agora era tempo de lhes dar palavras. Sem saber, contudo, ao certo se teriam tempo e vontade de as ler.

Antes de as escrever, pensou para si:

A imagem de autoritária

Pelos nomes dos netos querer escolher

Deu lugar a uma avó solidária

Cujo maior desejo era agora os seus netos mais vezes acolher.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Chuva


Cai a chuva, ploc, ploc
corre a chuva ploc, ploc
como um cavalo a galope.

Enche a rua, plás, plás
esconde a lua, plás, plás
e leva as folhas atrás.

Risca os vidros, truz, truz
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz.

Parte as flores, plim, plim
maça a gente plim, plim
parece não ter mais fim.


Luísa Ducla Soares, A Gata Tareca e Outros Poemas Levados da Breca, Teorema




quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Esta Tarde a Trovoada Caiu

Fernando Pessoa
( Alberto Caeiro )

Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair,
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos ...
Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém...
Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou...
Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranqüilamente, como o muro do quintal;
Tendo idéias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor...

Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara...
Ah, poder crer em Santa Bárbara!

(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)

(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?...

Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós ...
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)

E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega.

Diário de Mariana

2 de novembro 2011

Querido diário,

Hoje fiz o primeiro teste deste ano letivo. Eu até tinha estudado, mas havia coisas que eu não sabia. A matéria que eu estudo melhor é raro sair. Foi o que aconteceu hoje mais uma vez. Parece quando vou ao supermercado fazer alguma compra. Escolho a fila mais curta para pagar e depois é a mais demorada. Ou é alguma coisa que encrava, ou é uma cliente que resolve ir buscar uma coisa de que se esqueceu e nunca mais vem…

Até na escola, fogo (prometi a mim própria não voltar a dizer fogo e, afinal, disse), isto me acontece. Ou sou das primeiras a chegar à sala de aula e parece que fico sem jeito porque não gosto de dar graxa, ou sou das últimas e também não fico nada à vontade. Há dias até sonhei que me perdi dos meus colegas numa visita de estudo. De repente, deixei de ver o grupo e só encontrava pessoas desconhecidas que passavam depressa. Eu não queria que se notasse muito, mas sentia-me uma “menina desamparada”. Ainda bem que foi sonho e não foi realidade.

A composição do teste é que me correu melhor, apesar de eu não estar muito habituada a apresentar argumentos e exemplos. Até é fixe e assim o texto fica mais científico. Eu gosto de escrever ao correr da pena, mas não aprecio muito bla bla bla. Se calhar, sei lá, até caio nessa tentação. A semana passada, a minha dê tê disse-me que ia mandar um texto meu para o jornal da escola. Elaacha que é muito bom escrevermos porque diz que aprendemos, refletimos sobre a língua e mostramos o que valemos. Eu, por acaso, acho que é importante, mas vejo também que os alunos só procuram os textos deles ou de pessoas conhecidas. Isso não me parece muito bem, mas não critico, porque, se calhar, faço o mesmo.

Não sei se já te disse, mas está a haver a campanha para a associação de estudantes. O que acho altamente é a música alta nos intervalos. Eu já escolhi a lista em que vou votar. Não gostava é que eles fossem como os políticos que pintam tudo muito lindo e depois lixam quem acreditou neles. Para não falar daqueles que passam a viver à grande e à francesa como se de repente se tornassem uns lordes. Haviam de ter um castigo, sei lá, muitos cães juntarem-se e darem cabo das notas e dos documentos que provam o dinheiro que têm no banco. Haviam de ficar sem nada, para saberem dar o valor.

Fico por aqui porque ainda vou estudar um bocadinho. Vou ter outro teste na 6ª f. Espero ter mais pontaria.

Muitos beijinhos

Mariana

PS - O Gi faz parte de uma lista para a Associação de Estudantes, mas não é a minha preferida. Só comigo, fogo!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Este poderia ser um manjar dos deuses

Gaivotas no telhado


Laranjas ao sol em manhã de novembro