sábado, 25 de janeiro de 2014

Onde é que já ouvi isto?



Este texto tem circulado nas redes sociais. 
Por achar que conta uma verdade muitas vezes desconhecida, 
também o partilho
"A vida dos médicos privilegiados
Sou médica interna. Sou médica daquelas que demoram muito. Não entupo urgências, porque não trabalho lá, mas deve estar muita gente à minha espera, na sala onde se espera. De certeza que pensam que sou “estagiária”. Não tenho carro, vivo numa casa alugada, pago as contas (às vezes em atraso). Trabalho, estudo, vivo em constante preocupação porque tenho que estudar mais, tenho de fazer relatórios e posters e apresentações. Vivo entre exames, artigos científicos e isso sim, trabalho, muito trabalho. Ao meu lado estão outros médicos internos. Raramente adoecem.. estão lá, ganham o mesmo que eu. Estou motivada, mas menos motivada, estou lá, mas às vezes penso que devia estar noutro sítio. Às vezes chego ao fim do mês à justa. No talão diz 1800… acho…, mas chega bastante menos à conta na CGD. Não sou especialmente ambiciosa. Nem especialmente poupadora nem gastadora. Compro roupa na Zara e móveis no IKEA (dos baratos). Tenho o apartamento alugado meio vazio, mas não faz mal porque passo lá pouco tempo. Tenho uma secretária de 1,50m de largura no trabalho, que está sempre muito cheia. Tenho o novo corretor ortográfico no computador, mas irrita-me. Vou à pagina da  Ryanair quando estou pensar em férias. Mas cada vez penso menos. Não tenho animais de estimação, mas gosto de animais de estimação.  De manhã acordo mais tarde do que devia, mas chego a horas ao trabalho. Vou a pé, porque vivo na baixa (isso deve ser um luxo). Estou inscrita num ginásio ao qual raramente consigo ir. Cada vez que abro o facebook vejo salários de políticos aos quais não sei atribuir significado. Depois vejo salários de médicos que não conheço. Às vezes leio os comentários das pessoas revoltadas com o que ganham os médicos, com o bem que vivem. Eu devo ser da classe privilegiada, porque sou médica. Não tenho carro, não tenho casa própria, não tenho um iphone, porque me parece excessivamente caro. Ganho 1200 euros. Tenho 30 anos. Matei-me a estudar na faculdade, tenho o trabalho em dia, mas não sou lá muito inteligente porque me esqueci de pagar a conta da edp. Na sexta-feira cheguei às 21:00 a casa (devia ter saído às 18:00) e tinham-me cortado a luz. Tenho de me organizar melhor. Na televisão não falam dos sacrifícios, não dizem que fiquei horas a mais a fazer o trabalho que estava a menos, porque sou lenta talvez… Deve ser isso. Não fui para a night porque estava esgotada. Dormir é uma das minhas grandes prioridades. Não vou muito ao cinema, nem vou aos eventos culturais de que gostaria. Não viajo muito, nem vou jantar a restaurantes caros. Sou médica… é verdade. Médica interna,  jovem inexperiente. Daqueles que entopem urgências e custam muito dinheiro ao estado porque estão em formação… Deve ser melhor para os recém-assistentes que estão à espera do contrato para a semana há um ano… Ao longo do internato que vejo passar… só vejo as coisas piorar. Mas estou muito motivada, amanhã vou trabalhar".
Ana Cátia Morais

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Portugal à vista?



No aeroporto, em dia de muita chuva e de muito inverno, muitas famílias despediam-se de jovens que partiam para países da Europa ou de outros continentes, onde tinham encontrado trabalho. Muitos seguravam apenas uma pequena mala, porque o low-cost assim o exige e a contagem dos dinheiros também ajuda a contar uma história mais feliz.
E outras regras tiveram de aprender a cumprir, porque muitos haviam partido sós e, mesmo em grupo, cada um teve de se adaptar a novos hábitos e a outras solidões.
Muitos transportavam o computador, onde armazenavam teses e artigos, no desejo sonhado de publicação.
Havia lágrimas em muitos rostos e pedidos de “quando chegares, dá notícias” e conselhos: “não te esqueças de pôr as alheiras no frigorífico”, “protege-te do frio”… Uma das mães ainda disse: “tem cuidado a atravessar a rua!”. Como se a sua menina não tivesse trinta anos!
Do lado de cá do vidro, todos esperavam pelo aceno repetido e atento dos que partiam, depois do check-in, e antes da descida das escadas rolantes a caminho do avião.
Quando os familiares regressavam aos carros, tinham menos palavras para dizer e reparavam mais no frio e na chuva. Mas também se lhes adivinhavam sorrisos nos rostos por saberem que os filhos tinham sido acolhidos por outros países e valorizados por outras gentes.
E assim se vão redescobrindo novas terras e novos mares.
Até quando tão desejados e sem Portugal à vista?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

"O Édipo do Bolhão"



Ontem, dia 22 de janeiro, o ator António Capelo esteve na Biblioteca Municipal de Gondomar, para falar de Rei Édipo de Sófocles, numa sessão integrada na Comunidade de Leitores.
Lembro-me muito bem de o ter visto, há uns dois anos, no Teatro do Bolhão (na antiga escola Almeida Garret), como protagonista desta tragédia. Ficou-me a imensa força de um ator em palco, dando vida à inesgotável sede do autoconhecimento.
Para além do que ensinou sobre a peça, anunciou, com visível alegria, que o Teatro do Bolhão iria regressar ao Palácio, na rua Formosa, perto do mercado do Bolhão. O Rei Édipo de Sófocles irá ser a primeira peça representada nas novas instalações.
Vi-o a assinar, talvez com orgulho, talvez com irónica emoção: “O Édipo do Bolhão”.
Bem visto, sim, senhor!

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Olhar (d)a gaivota



domingo, 19 de janeiro de 2014

Não sou comentadora, mas...



O que se passou no último debate na Assembleia da República foi assustador.
Tendo sido votado o possível referendo sobre a coadoção por casais do mesmo sexo, muitos deputados dos partidos do governo votaram, declararam eles, contra a sua consciência, mas unicamente porque lhes tinha sido imposta a disciplina de voto.
Então, meus senhores, são representantes do povo ou apenas da vontade, mais ou menos plástica, de um líder? E apresentam-se tantas vezes, perante os cidadãos comuns, como arautos da verdade!
Alguns deputados são tão novos que apetece dizer com ironia: “olha, como aprendeu a lição tão depressa!”
Para além da desresponsabilização dos governantes, agiganta-se a figura da voz única e da ideia de que “quem não está por mim está contra mim”.
Sobre estas questões já muitos se pronunciaram com mais ou menos profundidade. E muitos mais comentadores haverá a julgar, a defender, a desculpar, a criticar, a gesticular...
 Do que ainda não ouvi falar foi do tom, despoticamente autoritário, usado pelo presidente da assembleia da República, após a votação do referendo, e perante a reação das pessoas que se manifestaram nas galerias.
Se os manifestantes transgrediram regras, a voz ameaçadora do deputado, nas funções de presidente, também foi reprovável. Só faltava dizer: “tragam-me o chicote”.
Tivesse eu metade da idade que tenho e emigrava. Podia não ser bem sucedida, mas não veria as máscaras despudoradas de tantos políticos.







 

sábado, 18 de janeiro de 2014

De palavras outras palavras surgem

Maria Keil
CONTOS DE FADAS

Era uma vez um conto de fadas. Estávamos
na terra do sonho; o castelo tinha torres
que chegavam à lua; e a noite quente do verão
entrava pela janela e tapava-nos
num aconchego de mãe. Neste sonho, não havia
ogres nem lobos maus; e um barco
branco esperava por nós, no porto da cidade,
para nos levar para o oriente onde o sol
nunca se põe. Nenhum de nós queria acordar
para não se esquecer deste sonho, e mesmo que
acordássemos, não iríamos abrir os olhos,
para não ver o que nos esperava, ao sair
do casulo dos sonhos. Mas se concordássemos,
e abríssemos os olhos, e víssemos que tínhamos
saído da noite para entrar no dia, que já não é
um conto de fadas, podíamos dizer uns
aos outros: “Este é o sonho de onde temos
de acordar, para voltar ao conto de fadas
onde a noite nunca se põe”.
Nuno Júdice, A matéria do poema, Don Quixote, Lisboa, 2008, p.66


Da leitura e de algumas expressões deste poema surgiu um pequeno texto:
      
Aconchego de fadas

Era uma vez uma menina que não gostava de contos de fadas. Preferia estórias de ogres e lobos maus porque, dizia ela, eram mais reais e frequentes na sociedade que ia conhecendo.
Num dia de verão, visitou um castelo e as suas altas torres. Tinha por perto o amparo e aconchego da mãe. As férias pareciam um sonho e sentia que a mãe era para si, cada vez mais, um porto de abrigo, um barco branco em que sempre podia viajar.
A menina, quando era mais menina ainda, tinha adormecido, muitas vezes, ao som de contos de fadas e de cantigas de embalar que rimavam: para bem adormecer e para, sossegadamente, acordar.
Um dia, a menina, já adolescente, recordou os anos em que ouvia ou lia contos de fadas com entusiasmo. Encantada por esses seres minúsculos e míticos, não perdia, na sua infância, a esperança de ver a transformação da realidade pelos poderes da varinha de condão.
E, como se esse toque de magia perdurasse, numa manhã de sol, deu consigo a pensar que os contos de fadas ajudam a subir mais alto, como às torres de um castelo, onde, tal como no casulo dos sonhos, a noite nunca se põe. Seriam outra forma de aconchego em todos os caminhos que ia percorrendo.