quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Venha o verão!



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DOMINGOS MIRA FLOR



8 – Quando Domingos entrou em casa, foi logo procurar o telemóvel. Abriu-o. Duas chamadas e uma mensagem de Flor. Que tinha chegado bem. Que o pai, ao vê-la, tinha ficado feliz. Que lhe dissesse o que se passava com ele porque não respondia.
Domingos logo marcou o número.
“Sim? Flor, desculpa por não ter atendido nem respondido à mensagem.”
“ Porquê? Não ouviste?”
“Fui fazer uma caminhada e demorei mais tempo do que contava”.
“Foste até à eternidade?!”
“Não estejas zangada, Flor. Fui às Antas”.
“Havia algum motivo especial para lá ires? Nunca lá fomos nem mostraste vontade de ir.
“Precisava de caminhar, Flor. Quando regressas?”
“Ainda não sei, porque encontrei muita coisa à minha espera”.
“Fazes-me tanta falta, Flor”.
“O meu pai diz o mesmo e quero vê-lo um pouco mais feliz. Amanhã, falamos de novo. Pode ser? Estão a bater à porta”.
“Até amanhã, Flor. Deixa-me só dizer-te uma coisa que poucas vezes disse ao longo da minha vida: amo-te, Flor”.
“Até amanhã, Domingos. Tenho mesmo de ir abrir a porta”.

(Continua, com Domingos olhando os quintais vizinhos e ouvindo o eco das suas últimas palavras).


FÉ, nas árvores




DOMINGOS MIRA FLOR



7 – Um reencontro

Chegou cansado à Praça Velasquez. A caminhada havia sido muito longa. Com Flor, não se teria atrevido a ir tão longe. Ela gostava de andar, mas, dizia, não lhe serviam botas de sete léguas. Nesses instantes, ele sorria e dizia carinhosamente: “Podemos ficar por mais perto, Flor. Logo que ande contigo, ando com Deus”.
A praça fez-lhe lembrar tempos idos em que ia ao estádio das Antas com o pai. Punha o cachecol do FCP e a tarde de domingo era de festa, sobretudo em jogos de cantada e partilhada vitória. No regresso, passavam todo o tempo a falar do jogo, das cegueiras do árbitro, dos insultos dos rivais, das hipóteses de ganharem o campeonato… Eram tardes exaltantes que moldavam dias felizes.
Como os que vivera nos últimos tempos com Flor. Os da infância tinham passado; os recentes, não sabia se iriam ser retomados.
Deu uma volta ao jardim, olhando em redor, detendo-se nas diferenças que encontrava na praça. Entrou no café Bom Dia e pediu uma água. Como outras pessoas que estavam sós, sentou-se voltado para a porta, olhando as velhas árvores.
Na esplanada do exterior do café, um grupo de mulheres trocava impressões ruidosamente. Olhou-as. Parecia estar a ver um filme a que tinham cortado o som, antepondo um vidro entre o espectador e a ação. Eram professoras, de certeza. De repente, uma evidenciou-se perante o seu olhar. Não era possível. Tinha envelhecido, mas não perdera o sorriso simpático. Era Lurdes, a amiga que conhecera na livraria Latina, na rua Santa Catarina, há muito anos. Ficaram amigos por algum tempo, mas, enveredando por caminhos mais solitários, Domingos deixara de a ver.
Olhando-a, lembrou-se de Flor. Mesmo que Lurdes o visse, não ficaria a conversar, embora soubesse que ela era faladora e curiosa. O dia era-lhe pesado para palavras leves que não queria proferir.
Mas como o olhar é livre, o de Lurdes voou sobre as mesas e cruzou-se com o seu. Logo se levantou para o vir cumprimentar.
“Então, o que é feito de si? Há tanto tempo! Que boa coincidência! Também costuma vir aqui? Nunca o vi por cá!”
Que não, há muito que cá não vinha. Tinha lá chegado quase por acaso, porque precisava de caminhar e espairecer. Sabia que caminhar lhe fazia bem. Agora, tinha de ir. Ainda era longo o percurso até casa, embora fosse sempre a descer.
“Gostei muito de a ver”.
“E eu também de o voltar a encontrar. Venho sempre aqui à quarta-feira de manhã. Apareça. Temos muitos assuntos para pôr em dia”.

(Continua, com Domingos a lembrar-se que se tinha esquecido do telemóvel, na mesinha junto à varanda).

Crescendo de azul




DOMINGOS MIRA FLOR

6 – Novos rumos

Após a partida do comboio, Domingos regressou a casa. descendo, cabisbaixo, a rua das Flores. Abriu a porta e entrou em silêncio. Passando pelo gato, sem o ver sequer, foi até à varanda e ficou, por momentos, a olhar a casa de Flor, agora de janelas bem fechadas. Entre os vidros e as portadas, viam-se as cortinas de linho bordadas; a varanda sem as plantas aromáticas que, minutos antes da partida, haviam passado para a casa de Domingos para que nem a sede nem o abandono as secassem.
Domingos foi buscar água e regou-as. Queria que, quando Flor regressasse, tudo estivesse viçoso. E que as aromáticas dessem gosto à sua comida que ela confecionava em pequenos tachinhos com muito uso, mas luzidios.
Pensativo, olhou o rio. Que passava como as suas lembranças. No dia anterior, pensaria que, a essa hora, estaria bem perto do jardim da Cordoaria, no seu passeio matinal, com Flor a seu lado, a falar das notícias e dos livros que andavam a ler.
Porém, via-se de novo sozinho, sem ninguém tão íntimo com quem pudesse compartilhar os seus sentimentos. Flor havia sido uma luz que se abrira para ele, mas que, como outras luzes, se tinha afastado. Queria pensar que a separação seria temporária, mas era assaltado pela ideia recorrente de que a felicidade, para ele, nunca seria duradoira.
Pensou em fazer uma caminhada. Talvez ir até ao café da Porta do Olival tomar um pingo e comer a nata do costume, mas, se fosse lá sozinho, o caminho era curto e tudo lhe pareceria amargamente solitário. Não, iria andar a pé, mas noutra direção. A caminhada teria de ser longa, para libertar melhor a tensão e aliviar a mente. Por que não ir até à Praça Velasquez? Iria ao café Bom Dia. Descansaria um pouco e regressaria pela hora do almoço. À tarde, poderia ir, de novo, ao alfarrabista da Misericórdia, como gostava de dizer quando se referia à livraria Chaminé da Mota.
Mas a vida não é uma página em que se possa prever, ao certo, o número de palavras.

(Continua, com Domingos a revisitar outros dias do passado. E não só).




segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Flores nas dunas



sábado, 2 de agosto de 2014

DOMINGOS MIRA FLOR




5 – Domingos nem queria acreditar

“Sim, Domingos? Desculpa ligar-te a esta hora. Ainda não são sete da manhã!”
“Ia mesmo agora telefonar-te. Está tudo bem contigo? Sempre que vim à varanda, vi sempre a tua luz acesa!”
“Comigo está, mas tenho de ir para a aldeia agora de manhã. O meu pai precisa urgentemente de mim. Ontem, o meu irmão telefonou-me. Estivemos a falar muito tempo e chegámos à conclusão a que eu há muito tinha chegado.”
“Qual? Posso saber?”
“Como estou reformada, tenho de ajudar o meu pai. Para mais, o meu irmão é mais novo do que eu e continua no ativo.”
“Queres, então, dizer que vais deixar o Porto para ires viver na aldeia do teu pai?”
“Pode ser apenas por algum tempo, mas não posso sobrecarregar o meu irmão e o meu pai está cheio de saudades minhas.”
“E se convencesses o teu pai a vir morar contigo? Eu podia colaborar”.
“Também já pensei nisso, mas, mesmo que o convença, vai demorar algum tempo. As coisas dele estão todas lá”.
“Mas aqui, pode-te ter a ti”.
“Eu sei, Domingos, mas não posso tirá-lo das suas raízes, assim de repente. Na aldeia, tem alguns amigos e um deles está tão presente que parece viver com ele, apesar de já ter morrido há muito tempo.
“Quem?”
“Camilo Castelo Branco. Tem uma sala recheada dos mais diversos objetos e de coleções de livros do escritor.”
“Não sei que te diga, Flor”.
“Podes ir lá visitar-me. O meu pai gostará de te conhecer e de te mostrar a “Sala dos Retratos e de Camilo”.
“Não te posso impedir, Flor, mas o dia que agora começa já me parece noite”.
“Não exageres, Domingos”. Montalegre não é tão longe como isso”.
“Também não exagero se te disser que não nasci para tanta felicidade, como a que eu estava a sentir.”
“Domingos, tenho de ir. O comboio é às 8.30, em S. Bento. Estive até tarde a fazer a mala. Levo só o que é essencial. É verdade, o gato apareceu?”
“Procurei-o durante horas e fui encontrá-lo na varanda, a dormir.
“Ainda bem.”
“Devo estar a ficar louco. Agora, ainda mais.”
“Vamos ser práticos, Domingos. Não morreu ninguém, nem ninguém está doente. Terás de compreender a situação. Já chamei um táxi. Acompanhas-me à estação?”
“Vou já ter contigo e ajudo-te a levar as malas até ao largo”.
“Obrigada, até já, Domingos.
“Até já, meu amor (esta expressão sempre lhe fora tão difícil de dizer! Já nem se lembrava de a ter pronunciado!)”.

Entraram e saíram do táxi quase em silêncio. Durante o pequeno trajeto, rua Mouzinho da Silveira acima, ela pegou-lhe na mão, prendendo-a com força. Entraram na estação revestida de azulejos azuis. O relógio redondo mostrava as horas com certeza e nitidez. Eram oito horas e vinte minutos. O comboio já lá estava, engolindo, ainda devagar, os passageiros que iam entrando.
Domingos e Flor pararam junto da porta da carruagem. Domingos prendeu-a pela cintura, abraçou-a e beijou-a. De um beijo assim não se lembravam. A cara era de espanto de muitos passageiros que iam chegando. Para Domingos e Flor, a vida era deles, até esta maravilha ter ponto final.
Domingos ainda disse a Flor: “Quando chegares, dá notícias. Fico à espera”.

(Continua, sem Flor, na rua chamada das Flores)