segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

As Amoras


Josefa de Óbidos

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.    
Ninguém ignora que não é grande, nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

 Eugénio de Andrade  nasceu a 19/1/1923,  há 92 anos e morreu a 13/6/2005.(Informação da livraria Poetria)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Sábado



Uma ação de formação durante a manhã: Diferenciação pedagógica na sociedade de informação.
Agrada-me. Esqueço-me de que tinha pensado poucas horas antes que preferia ficar em casa. Para mais, estava frio. Para mais, a semana tinha sido cansativa de tantas tarefas para que os professores são convocados.
Para não falar das salas quentes e dos corredores gelados e logo a tosse, os espirros e outras mais tosses e outros espirros. Para não falar das turmas de trinta alunos e salas que encolheram depois das obras na escola.
Oiço com atenção o que as minhas colegas formadoras dizem, prepararam, partilham. Gosto da ideia de se aproveitar "a prata da casa", as experiências por muitos realizadas e que caem no esquecimento quando não comunicadas para além da sala de aula.
Fala-se dos "nativos" dos computadores - os jovens cuja intuição os faz percorrer habilmente os espaços virtuais. Gostava de saber mais de computadores - penso eu. Continuarei a pedir ajuda a alguns alunos no uso das novas tecnologias - o que não é pecado nenhum.
Almoço junto ao rio Douro. Já quase mar. Os barcos passam com turistas poucos, porque o frio é muito. E também a neblina. E também o cinza  por onde esvoaçam as gaivotas.
As pontes desenham ogivas no nevoeiro. De regresso, no carro, ouvindo a antena 2, ecoa a voz de Miguel Torga que nos deixou há vinte anos.
 Chove. A noite vai caindo. Os carros escasseiam na rua. O frio não é frouxo.
 Já longe do rio, pressinto gaivotas também protegidas por telhados. Saberão que é sábado?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sem rédea


 
Hoje, numa aula de décimo ano, estivemos a analisar a crónica "Tamanho do mundo", de António Lobo Antunes (in Visão 20 de abril, 2006).
A propósito, vieram as diferentes associações que fazemos através da memória. Uma menina contou, então, que tinha ido ao Bom Jesus, em Braga, e que lá reencontrara o velho fotógrafo que lhe tinha tirado um retrato, sentada no cavalinho de cartão, quando ela tinha dois anos. Uma outra falou de velhos postais que a avó guardava desde os tempos da guerra colonial em África... E todos os que iam intervindo referiam as sensações que uma simples imagem, lugar ou momento desencadea(va)m.
Perante o entusiasmo e junção de tantas ideias, disse-lhes que, em breve, poderiam construir a sua própria crónica.
Uma aluna perguntou então:
- E podemos escrevê-la sem rédea?
Não entendi logo, ou melhor, pensei que se estava a referir à possibilidade de o tema ser livre.
- Não, setora, não é isso, se podemos escrever sem haver número limite de palavras, sem divisão do texto em parágrafos, sem palavras obrigatórias...
- Sim, desta vez,  escreverão sem rédea, respondi eu.
E pensei logo que teria, porém, de encontrar um tema comum.
- Ó, setora,  vamos escrever, então, sem rédea, perguntou outra aluna muito perspicaz, enquanto olhava pela janela!
Sem querer, estava-me a dar o mote.

Cores na noite


domingo, 11 de janeiro de 2015

Paris - hoje

A velha do quiosque



Sempre vendera jornais. Não se via a fazer outra coisa. Desde muito nova que punha a tiracolo a saca que dizia JORNAL DE NOTÍCIAS. Parecia que já lhe conhecia o ombro, porque logo se ajustava, sem ser necessário puxar para a frente ou para o lado.
Como o tempo não era de ir muito à escola, andava pelas portas a vender os jornais. Conhecia os hábitos dos clientes: o jornal que compravam, os que lhe davam uma moedita para o mealheiro, os que lhe ofereciam uma bolacha, os que, sisudos, nem a olhavam...
Cresceu, casou-se, teve filhos, mas a profissão não mudou. Como as pernas iam pesando, foi ficando no mesmo sítio, junto um quiosque. Era conhecida pela velha do quiosque, mas o quiosque não lhe pertencia. Apenas o espaço próximo durante algumas horas da manhã.
Apesar da concorrência, manteve-se a harmonia durante vários anos. Cada um tinha os seus clientes, sem guerra nem guerrilha.
 Um dia, o quiosque não abriu, mantendo-se fechado durante meses. O dono havia morrido e os herdeiros não chegavam a acordo sobre a reabertura. Houve concurso. A velha do quiosque concorreu, mas a candidatura não foi aceite: não teria fundos suficientes para manter o negócio.
Em breve, o quiosque seria reaberto. Antes desse dia, a preocupação maior dos novos donos  foi afastar o pequeno negócio que, durante a manhã, era concorrente.  A velha foi obrigada a retirar-se uns metros. Porém,  não bastava. Teve de passar para o outro lado da rua, mas ainda era visível. Escondeu-se atrás de uma paragem de autocarro, mas ainda ficava perto. Procurou a cobertura de uma porta de prédio, mas os clientes não a viam...
Hoje, a velha do quiosque estava ao sol, do outro lado da rua. Junto dela, um pequenino monte de jornais. Aos poucos clientes que a procuravam vendia o jornal e desejava bom domingo.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Que je t'aime, Paris!

Há mais de uma dezena de anos, tive a oportunidade de ir a Paris, no mínimo, uma vez por ano.. Várias vezes fui também com a minha irmã, que também nutria um grande amor por aquela cidade. Houve fins da manhã passados em cafés que víamos em livros e jornais e onde se sentaram artistas e escritores. E fins de tarde em teatrinhos pequenos e em cujo palco se representavam peças de Ionesco, de Saint Exupéry...
E em pequenas livrarias sentia-se o ranger do soalho e os livros saltavam-nos para as mãos. Era como se disséssemos aos autores como era bom senti-los em Paris!
E o vinho. E o pão. E o queijo. E as tartes. E os pequenos hotéis que construíam saudades logo no presente. E os solitários das ruas. E os adormecidos clochards. E os bairros zangados das periferias.
E os cheiros  dos restaurantes do Quartier-Latin. E a longa rue du Rivoli com todas as lojas de repetidos souvenirs.
E o Louvre visitado aos bocadinhos; e a Avenida dos Campos Elísios cuja vastidão o olhar não consegue abraçar, e o rio Sena com os apaixonados no sossego beijado das margens. E os bouquinistes que mostram imagens de todos os tempos. Também lá estarão velhos e novos números de jornais como Charlie Hebdo.
Que triste é ver as cidades a morrer pelas  mãos febris  e armadas de alguns. 
Tal como milhões, tenho nos sentidos os rebentamentos de ontem, as gritadas sirenes, os grupos concentrados de polícias, os rostos de frio e de medo...
Paris, és cidade personificada. Neste momento, tens rosto recente de jornal com voz firme  que não quer deixar de desenhar as necessárias  linhas da LIBERDADE.



domingo, 4 de janeiro de 2015

Nostalgias e solidões

Se calhar, o título não é o mais sugestivo, quero dizer que não será o mais convidativo para esta época ainda festiva; há restos de doces, imagens de fogos de artifício, novidades da família reunida, a mesa mais colorida e alargada... Mas a vida é mesmo assim,
Nesta época do ano, são frequentes as alusões à infância, a sabores que se modificaram, ao bolo-rei cuja fava e brinde desapareceram por ordem da ASAE...
Para não falar de pessoas queridas que estavam sentadas à mesa, mas agora já não estão e que a presença de crianças, que vão nascendo, ajuda a ocupar.
Sim, é uma época de alguma eufórica nostalgia - um tempo, sem dúvida, de maior partilha, mas com muitos momentos em que apetecia ser monge recolhido ao silêncio, para dele obter novas forças.
Por outro lado, nos últimos dias, pude ver, em casa, alguns filmes que estavam à espera de visualização. Foi o caso de A Lancheira (The lunchbox), de Ritesh Batra, passado na cidade de Bombaim, na Índia, que, para além de ter personagens divertidas, apresenta o tema da solidão, vivido por pessoas de diferentes gerações. 
Uma jovem, insatisfeita com o seu casamento, encontra, por acaso, outra pessoa que, por sua vez, sente solidão pelo avançar da idade (confirmado pela frequência com que lhe davam o lugar no comboio), pelo facto de viver só, ansiando por manjares saboreados no prato e nas palavras.
Noutro filme - A rapariga que roubava livros (The book thief), de Brian Percival e passado durante a 2ª Guerra Mundial, uma menina sente a pesada solidão por ser entregue a outra "mãe" com mais possibilidades de a criar. Nessa família, entra um jovem judeu que vive o terror de ser descoberto pelos nazis e, logo, enterrando-se na mais profunda solidão.
Penetrando agora na realidade portuguesa, crua e dura, quem não tem familiares, amigos, vizinhos que não  sentem o frio mais frio da solidão? (Não uso a primeira pessoa - singular ou plural - embora seja problema, acho au, que a todos toca). Ou porque não têm dinheiro, ou porque perderam o emprego, ou porque não se sentem amados como gostariam...
Por coincidência, no momento em que escrevo este pequeno texto, um canal de televisão transmite O Eixo do Mal. Um comentador fala da solidão do poder, a propósito de Alberto João Jardim que, em breve, deixará de plantar as suas ruidosas e suadas flores no Arquipélago da Madeira
 E eu, que gosto muito de flores, daquele género não sinto qualquer nostalgia. Já basta a solidão que, pelos mais diversos motivos, em cada um é semeada.



sábado, 3 de janeiro de 2015

Um contrato barato mas valioso


 Renovação de Contrato - 2014/2015
 
Contrato de 2014 e 2015 
Depois de uma séria e cautelosa consideração,
quero notificar-te que o nosso
 
"Contrato de Amizade"
 
será renovado no dia 31.12 as 23h59m59s
 para 2014/2015.
 

Nunca desvalorizes ninguém. 
Guarda cada pessoa perto do teu coração, 
porque um dia tu podes acordar 
e perceber que perdeste um diamante 
enquanto estavas muito ocupado colecionando pedras.
Manda este abraço para todos os que não queres perder em final de 2014 e ao longo de 2015.

Maria Rendall