sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A chuva na nossa direção



    A chuva de hoje levou-me até à minha infância ou juventude (por mais distantes que fiquem, bastante próximas parecem!). A nossa casa ficava situada junto a uma casa de lavoura, também familiar,  e muitos campos à volta.
Havia também outras casas e da minha memória não desaparecem duas altas moradias: uma de azulejo azul e outra de azulejo verde. A de azulejo verde tinha um  mirante onde agora (julgo que) ninguém vai e a azul está revestida a pedra granítica e (julgo também que) as vozes que a preenchiam e mantinham viva foram desaparecendo.
Era o tempo de as raparigas fazerem uma boa parte da lida da casa e de se aproximarem, com mais tempo, da janela e da própria natureza. Ao longe, havia uma árvore muito alta cujos ramos nos mostravam a intensidade do vento. A minha mãe dizia: hoje, sopra vento da serra. Ou então: hoje, o vento vem do lado do mar.
Em dias de chuva miudinha tocada pelo vento, víamos a precipitação ao longe e parecia correr na nossa direção, preenchendo o espaço entre a erva dos campos e o cinzento do céu. Ficávamos a olhar, embora fosse frequente aquela aproximação.
Os campos ficavam mais húmidos, as árvores pingavam pérolos de água, as pessoas abrigavam-se em casa, fugindo da chuva que chegara em diagonal ou fazendo ondas que o vento desenhava.
De uma outra janela víamos a casa de lavoura, a casa verde e a casa azul. Como seres que sossegavam e cuja presença mais se notava quando a chuva chegava, mansa, miúda e persistente. E parecia que nada mudaria de cor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Com e sem máscaras

Há alguns anos (éramos todos vivos e, apesar das naturais incerteza, tudo parecia menos incerto), fui a Podence, freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros. Não era Carnaval. O passeio era um dos habituais a Trás-Os-Montes. Falávamos muito do frio seco, da comida saborosa e fumegante, dos velhos sentados à porta sempre prontos para conversar um bocadinho, das aldeias que se iam desmoronando, deixando adivinhar histórias antigas ainda entranhadas nas ruínas...

No dia em que fomos a Podence, visitámos o museu - julgo que Casa do Careto. Vale a pena, Tomámos nas mãos pesadas máscaras de madeira. Eram caras. E logo ouvimos: é tudo feito à mão.

Não voltei a Podence. Ontem, vi imagens na televisão. Mostravam as provocações feitas pelos mascarados. Ninguém levará a mal, com certeza. De outro modo, não se iria lá nesta época. E existe aproximação, contacto, criatividade e não apenas imitação, confronto com a realidade. Também esta se revela sob muitas máscaras. Só que usadas de modo mais neutro e subtil.

As de Podence são exuberantes e garridas. Neste momento, muitos dos que as transportam de modo festivo e brejeiro olharão o tempo. Ou talvez não, porque é Carnaval e, mesmo com chuva, ninguém leva a mal.

S. Paulo - Brasil

Fotos tiradas sábado passado

Camélias com rendas ao pé


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um belo poema de Amor


Maria do Rosário Pedreira


Hoje, uns minutos antes das 13h,
ouvi este poema, dito pela autora, Maria do Rosário Pedreira,
no  programa "A vida breve", na Antena 2.
Procurei-o agora em Podcast.
 Ainda não estava disponível, mas vale a pena
tentar de novo e ouvir
"a poesia por quem a escreve".
http://www.rtp.pt//play/podcast/1109

 Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema — como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite — porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me 


a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria, E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Tal como músicas!

Sim, também as palavras

O beijo Gustav Klimt  1907-1908
  
Neologismo
  
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo

Teadoro, Teodora.
                             Manuel Bandeira (1886/1968)


Há Palavras que Nos Beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

                                  Alexandre O'Neill  (1924/1986)

Há palavras (tão) cinzentas. Estas são cor-de-rosa!


Leia-se "fugaz" (efémero, transitório, rápido...)
É caso para dizer: na primeira imagem, cai a nódoa!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Breves em breve Porto-Londres-Porto

Casa
Como está grande! E os olhinhos mais azuis! Que riqueza!
E a bebé sorria. E também os pais. E também as visitantes, se se pode chamar assim a um tronco tão comum.
 E em breve saíam à rua, fixando o momento numa sorridente selfie sob o sol fresco de Londres. A rua estava húmida, os arbustos pingavam gotas de chuva acumulada, mas as árvores floriam como luzinhas cor-de-rosa. 
Ou era a bebé que sorria?

No aeroporto de Stansted:
Mãe, neste avião para o Porto só vão portuenses?
Não, filha, vão outras pessoas.
São londrenses?

No avião da Ryanair:
No final da viagem, antes de aterrar, os assistentes de bordo passam revista para verem se os cintos de segurança estão apertados.
Uma passageira, nuns loiros trinta anos, tem um casaco sobre as pernas, tapando o cinto. 
O assistente pergunta se o cinto está apertado. 
Não, diz ela, com voz bem sonora. E continuou:
- Na descolagem não apertei o cinto e vocês nem repararam.
Os assistentes, com um sorriso de "o cliente tem sempre razão" sorriram, com a exigida simpatia, e acrescentaram:
- Como é possível? Não vimos que não tinha apertado o cinto na descolagem.
E logo ela em voz mais alta:
- Eu conheço todos os truques!
E sorria da pretensa esperta vitória.

Altos parabéns
Antes de chegar ao Porto, ainda por cima das altas nuvens, a hospedeira, com voz macia,  anunciou ao microfone:
- Hoje, temos um passageiro especial.
Sim, viaja connosco o senhor Manuel Silva que veio a Londres festejar o seu aniversário. Muitos parabéns e para ele peço uma salva de palmas.
E o avião, cheio, aplaudiu. Ninguém conheceria o senhor Manuel Silva, mas ele poderá contar e recontar que, no dia 31 de janeiro de 2016, um avião inteiro lhe deu os parabéns.
E não é mentira.




quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

"Todo Cambia"


Este vídeo foi colocado no blogue Bem-Vindo ao Paraíso
que hoje celebra um ano. Parabéns!
Desejo uma longa vida de criatividade, motivação e partilha
Um beijinho
                                                                                                                                        

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Yes, of course!

Wonderful Life Lyrics




Here I go out to sea again
The sunshine fills my hair
And dreams hang in the air
Gulls in the sky and in my blue eye
You know it feels unfair
There's magic everywhere
Look at me standing
Here on my own again
Up straight in the sunshine
No need to run and hide
It's a wonderful, wonderful life
No need to laugh and cry
It's a wonderful, wonderful life
The sun's in your eyes
the heat is in your hair
They seem to hate you
because you're there
And I need a friend
oh I need a friend
to make me happy
Not stand here on my own
Look at me standing
Here on my own again
Up straight in the sunshine
No need to run and hide
It's a wonderful, wonderful life
No need to laugh and cry
It's a wonderful, wonderful life
I need a friend, oh I need a friend
To make me happy, not so alone
Look at me here
Here on my own again
Up straight in the sunshine
No need to run and hide
It's a wonderful, wonderful life
No need to laugh and cry
It's a wonderful, wonderful life
No need to run and hide
It's a wonderful, wonderful life
No need to laugh and cry
It's a wonderful, wonderful life
Wonderful life
Wonderful life

domingo, 24 de janeiro de 2016

Is it true?

sábado, 23 de janeiro de 2016

La mère Noël, Michel Tournier

Michel Tournier ~ dez. 1924/jan. 2016


Este conto era estudado
em algumas escolas. Não sei se continua a ser.
É uma belíssima narrativa que remete para valores humanos
como a solidariedade, a ternura, a alegria...
e para os afetos (escolho a palavra, apesar
do grande vazio com que a vestiram nos últimos tempos).
Ouvi agora que Michel Tournier faleceu. 
Logo me veio à memória este conto,
e a obra Vendredi et la vie sauvage.
Recordei-me igualmente de  ver o escritor no Porto, numa conferência em que revelou também um grande poder de comunicação.
Nesse dia, explicou a razão de, na publicidade aos relógios, os ponteiros mostrarem sempre as 10h10m - para a imagem se aproximar de um sorriso!
De uma longa vida fica uma vasta obra.
Como um relógio que mostra muitas horas da vida humana.



"Le village de Pouldreuzic allait-il connaître une période de paix? Depuis des lustres, il était déchiré par l’opposition des cléricaux et des radicaux, de l’école libre des Frères et de la communale laïque, du curé et de l’instituteur. Les hostilités qui empruntaient les couleurs des saisons viraient à l’enluminure légendaire avec les fêtes de fin d’année. La messe de minuit avait lieu pour des raisons pratiques le 24 décembre à six heures du soir. A la même heure, l’instituteur, déguisé en Père Noël, distribuait des jouets aux élèves de l’école laïque. Ainsi le Père Noël devenait-il par ses soins un héros païen, radical et anticlérical, et le curé lui opposait le Petit Jésus de sa crèche vivante célèbre dans tout le canton comme on jette une ondée d’eau bénite à la face du Diable.
Oui, Pouldreuzic allait-il connaître une trêve? C’est que l’instituteur, ayant pris sa retraite, avait été remplacé par une institutrice étrangère au pays, et tout le monde l’observait pour savoir de quel bois elle était faite. Mme Oiselin, mère de deux enfants dont un bébé de trois mois était divorcée, ce qui paraissait un gage de fidélité laïque. Mais le parti clérical triompha dès le premier dimanche, lorsqu’on vit la nouvelle maîtresse faire une entrée remarquée à l’église.

Les dés paraissaient jetés. Il n’y aurait plus d’arbre de Noël sacrilège à l’heure de la messe de « minuit », et le curé resterait seul maître du terrain. Aussi la surprise fut-elle grande quand Mme Oiselin annonça à ses écoliers que rien ne serait changé à la tradition, et que le Père Noël distribuerait ses cadeaux à l’heure habituelle. Quel jeu jouait-elle? Et qui allait tenir le rôle du Père Noël? Le facteur et le garde champêtre, auxquels tout le monde songeait en raison de leurs opinions socialistes, affirmaient n’être au courant de rien. L’étonnement fut à son comble quand on apprit que Mme Oiselin prêtait son bébé au curé pour faire le Petit Jésus de sa crèche vivante.

Au début tout alla bien. Le petit Oiselin dormait à poings fermés quand les fidèles défilèrent devant la crèche, les yeux affûtés par la curiosité. Le boeuf et l’âne un vrai boeuf, un vrai âne paraissaient attendris devant le bébé laïque si miraculeusement métamorphosé en Sauveur.

Malheureusement il commença à s’agiter dès l’Évangile, et ses hurlements éclatèrent au moment où le curé montait en chaire. Jamais on n’avait entendu une voix de bébé aussi éclatante. En vain la fillette qui jouait la Vierge Marie le berça-t-elle contre sa maigre poitrine. Le marmot, rouge de colère, trépignant des bras et des jambes, faisait retentir les voûtes de l’église de ses cris furieux, et le curé ne pouvait placer un mot.

Finalement il appela l’un des enfants de choeur et lui glissa un ordre à l’oreille. Sans quitter son surplis, le jeune garçon sortit, et on entendit le bruit de ses galoches décroître au-dehors.

Quelques minutes plus tard, la moitié cléricale du village, tout entière réunie dans la nef, eut une vision inouïe qui s’inscrivit à tout jamais dans la légende dorée du Pays bigouden. On vit le Père Noël en personne faire irruption dans l’église. Il se dirigea à grands pas vers la crèche. Puis il écarta sa grande barbe de coton blanc, il déboutonna sa houppelande rouge et tendit un sein généreux au Petit Jésus soudain apaisé".

La mère Noël - Michel Tournier (extrait de Coq de bruyère)